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Grande hidrelétrica e pequena hidrelétrica: dois grandes negócios

Por Telma Monteiro

"Empresas e governos devem consertar os estragos ainda passíveis de conserto, assumir e encaminhar para resolver os passivos sociais, econômicos e ambientais de todas as barragens já feitas" (Oswaldo Sevá, sobre as hidrelétricas).

Espero que os leitores deste blog tenham percebido a celeridade dos fatos que têm pautado o noticiário das questões ambientais. Trocas indecentes continuam sendo propostas e discutidas por Carlos Minc, governo e grandes concessionárias de energia, numa orgia de planos e interesses que surpreende aos mais conservadores.

Empresas estatais e privadas fazem contas sobre o quanto custará a próxima hidrelétrica que barrará outro rio brasileiro. A bola da semana é a Hidrelétrica Belo Monte, ou podemos chamar de ameaça da vez, não importa. Está difícil entender quanto custaria construir Belo Monte. Talvez 7 bi, conforme balanço do PAC. Cemig chutou 26 bi e CPFL Energia. 20 bi. As diferenças entre as “estimativas” estão oscilando entre 19 bi e 6 bi. Estamos falando de bilhões de Reais!

Não importam muito esses valores para as empresas, sempre as mesmas, que estão na parada. Odebrecht, Andrade Gutierrez, Suez, Tractebel, Furnas, Camargo Correa já fecharam o cerco em torno da vestal [a obra]. Dizem que se chama divisão de trecho. Hoje, para dividir trechos, elas formam holdings e empresas com o propósito específico de explorar nossos rios. Uma publicidade escandalosa, veiculada em revista, pergunta se você ainda não investiu em PCH. Tenha a sua, faltam dizer, é a grande opção de investimento futuro.

Hoje, no Brasil, há dois grandes negócios: uma grande hidrelétrica e uma pequena hidrelétrica. Nos dois casos, os consórcios ganham na construção – obra – e no resultado – energia. E a sociedade também ganha - os passivos ambientais. Carlos Minc resolveu contribuir com essa ciranda, prometendo um novo modelo de licenciamento ambiental para agilitar a concessão de licenças das hidrelétricas. Vão licenciar por bacia hidrográfica, ou seja, dependendo do tamanho da bacia, em vez de rios teremos sistemas lacustres.

Ambientalistas há muito vinham cobrando do Ministério do Meio Ambiente uma análise dos efeitos dos impactos cumulativos de projetos hidrelétricos nas bacias hidrográficas. Pois bem, o Minc pegou a idéia e a distorceu para transformar em licença da bacia [para várias hidrelétricas], um verdadeiro retrocesso no processo de licenciamento ambiental de aproveitamentos hidrelétricos pequenos ou grandes. Agora teremos que reverter esse absurdo. Não podemos mais aceitar barragens em rios já barrados ou barragens em rios ainda não barrados, se pretendemos preservar os rios brasileiros, as comunidades tradicionais e os povos indígenas, cujas vidas deles dependem.

Um professor da Unicamp, que admiro muito, sugeriu que devemos responder ao fascismo hidrelétrico expressando o valor e a relevância muito maiores dos rios brasileiros. Em contraponto ao que o setor elétrico chama de “potencial hidrelétrico”, passemos a chamar de "potencial protéico, pesqueiro"; em lugar de "potencial de navegação, usaremos “potencial de lazer, de consumo humano de água" ou de "potencial paisagístico, arqueológico, turístico" dos tantos rios e monumentos fluviais pelo país adentro.

Minc cedeu às pressões de Dilma e Lula nessa história de novo modelo de licenciamento. Aliás, a Dilma tem muita experiência em “novo modelo”. O método a ser usado para rasgar, mais uma vez, a Constituição, é a nova aposta do momento. Editar uma Medida Provisória pretextando “caráter de urgência” como justificativa poderá ser uma idéia. Lula adora usar MP numa média de três por semana. Como o licenciamento ambiental, segundo ele, tem emperrado o desenvolvimento do país, ficará fácil usar esse argumento. Outra forma seria usar as instruções normativas, discricionariedades tão à mão, atualmente, do Presidente do Ibama, Roberto Messias Franco.

Vi Messias Franco, outro dia, num jornal televisivo, sentadinho atrás do Lula, admirando o discurso inflamado do Presidente sobre não serem bandidos aqueles que desmataram, mesmo contrariando a lei. Acho que Messias Franco respirou aliviado, pois o Ibama não precisará mais fazer operações de fiscalização, uma vez que desmatar não é mais crime, aos olhos do Presidente da República. ™


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