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Técnicos do IBAMA apontam sérios riscos no projeto de Jirau - Parte I

Telma Monteiro

O IBAMA tornou público no dia 25 de maio o Parecer Técnico Nº 039/2009 que analisou as informações constantes do Projeto Básico Ambiental (PBA) da Usina Hidrelétrica de Jirau apresentado pela Energia Sustentável do Brasil – ESBR, incluindo a avaliação do cumprimento das condicionantes específicas contidas na Licença Prévia n° 251/2007. O parecer conclusivo da equipe técnica, em face de todas as pendências destacadas, é contrário à emissão Licença de Instalação.

As várias pendências apresentadas e analisadas ao longo do documento de 127 páginas, desta vez, estão evidentes no texto do parecer técnico e dão a dimensão exata sobre as incertezas ambientais que cercam ainda o projeto das usinas do Madeira, cujas obras estão em andamento. Entre elas estão condicionantes da Licença Prévia não atendidas, falta de respostas às questões não esclarecidas no EIA e que vêm sendo postergadas para as próximas fases do processo de licenciamento.

Sedimentos e troncos flutuantes ameaçariam a barragem

Já em fevereiro de 2009, a equipe do IBAMA alertou para o fato de que até aquele momento não havia menção, nos estudos, a dispositivos de proteção contra troncos flutuantes ou à construção de um modelo reduzido; questões essas não elucidadas e cujas respostas são imprescindíveis para a emissão da LI integral de Jirau. Leia mais...

Os estudos em modelo reduzido são necessários para desenvolver projetos e analisar os possíveis impactos que poderiam ocorrer nas fases de construção e operação de usinas hidrelétricas. Somente um modelo hidráulico corretamente projetado pode permitir determinar com certeza o fluxo de transporte de sedimento e os níveis de assoreamento. O comportamento da vazão do rio Madeira com o barramento tem que ser simulado em modelo hidráulico reduzido, pois se trata de um dos três maiores rios do mundo em transporte de sedimentos.

Avaliar os sedimentos no fundo do reservatório a fio d’água de Jirau, antes da construção da barragem, é de suma importância, pois pode mostrar que o assoreamento – resultado da deposição de sedimentos – afetaria a região a montante que, nesse caso, inclui terras bolivianas. Pode servir de base para concluir que hidrelétricas construídas em rios na Amazônia devem ter vida útil muito curta e causar impactos regionais irreversíveis.

O Brasil não detém a tecnologia para construção de um modelo hidráulico reduzido que possa reproduzir as condições específicas dos fluxos físicos e bióticos no rio Madeira que afetarão a barragem de Jirau. A usina de Jirau é objeto de análise dos estudos ambientais desde 2004 pelo IBAMA e já obteve uma licença parcial de instalação, mas está sendo construída no escuro.

Os técnicos do IBAMA apontam que não foi apresentado nenhum estudo adequado para monitoramento do transporte de sedimentos e da evolução do assoreamento do reservatório. O Parecer Técnico descreve que em março de 2009 representantes da Sedam, da Aneel, do IBAMA, da ESBR e acadêmicos ficaram uma semana em Grenoble, França, no Laboratório de Hidráulica Sogreah, especializado no know how de transporte de sedimentos, para tentar absorver a tecnologia de construção de um modelo hidráulico reduzido. Essa visita técnica deveria nivelar conhecimentos sobre questões específicas dos aspectos ambientais, de segurança e de eficiência das turbinas bulbo a serem instaladas na UHE Jirau, no rio Madeira.

Essa visita ao laboratório francês deixa claro que as questões levantadas pela equipe do IBAMA e por especialistas com relação ao assoreamento do reservatório e aos troncos flutuantes e semi-submersos à deriva não encontravam respostas no Brasil. São dúvidas pendentes desde os estudos ambientais que precederam a licença prévia, constando inclusive das condicionantes.

Para que se tenha uma idéia da importância dessas incertezas, o Parecer Técnico do IBAMA transcreve parte de um documento enviado por Furnas ao MP de Rondônia em resposta ao relatório que analisou o EIA da usinas. Nele há uma estimativa preliminar sobre a presença de 20.000 troncos de árvores transportados mensalmente pelo rio Madeira na região dos estudos, durante a época de cheias. Em média cada tronco deve pesar 1 000 quilogramas por metro cúbico o que pode significar 6 700 toneladas por dia. Foram estimados 35 mil troncos flutuantes com mais de 3 metros passando por Porto Velho em 24 horas e ainda não foi apresentada nenhuma solução que demonstre como esses detritos serão interceptados antes de atingir as estruturas da barragem depois de construída.

“Seria preciso montar um mecanismo altamente eficiente ainda não conhecido ou uma verdadeira operação de guerra onde seria necessário retirar uma tora de madeira a cada 2 minutos durante toda a época de cheias, 24 horas por dia.”

Os técnicos afirmam que o manejo desse volume de detritos “constitui um transtorno operacional e até mesmo um risco a segurança da barragem” e “requer prioritariamente a definição pela engenharia responsável pelo projeto de mecanismos que permitam a gestão deste material”. Segundo eles, ainda, é preciso que o modelo contemple ensaio completo dos sedimentos e ensaio com troncos e materiais flutuantes e submersos considerando uma vazão de cheia como a máxima observada em Porto Velho.

O modelo hidráulico, nesse caso, cuja tecnologia o Brasil ainda não tem, poderia trazer informações fundamentais que inviabilizariam a construção de Jirau, tanto no que se refere aos sedimentos no reservatório quanto aos riscos à segurança da barragem e a jusante. A condicionante que fala da necessidade do detalhamento que demonstre a capacidade de mitigação e compensação de impactos exige conhecer o comportamento dos sedimentos nas turbinas e vertedouros, o que não é possível sem o modelo hidráulico.


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