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Portaria cria vara federal ambiental no Pará e novo juiz assume ações contra Belo Monte


"Nem na própria ditadura houve isso. Uma coisa é discordar de decisão judicial e recorrer pelos meios adequados. Outra é você deixar de cumprir decisões judiciais e até ameaçar juízes.
 Daí vai se transformar numa Venezuela, onde tem uma juíza presa porque tem uma decisão contrária ao governo", disse o juiz titular da subseção de Altamira em seu gabinete, em Belém, lembrando as recentes críticas de Lula às multas eleitorais que recebeu da Justiça".
Juiz Antonio Carlos Almeida Campelo

O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo que concedeu três liminares para suspender o leilão da usina de Belo Monte está fora do caso.  Não vai mais atuar nas Ações Civis Públicas que questionam a legalidade da construção de Belo Monte. Essas ações estão sendo assumidas, agora, por outro juiz, na primeira vara ambiental instalada em Belém, no dia 27 de maio. A 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária foi criada para atender à Resolução n° 102, de 13 de abril de 2010, do Conselho da Justiça Federal (CJF). Continue lendo sobre a nova vara ambiental do Pará que assumiu as ações de Belo Monte

Telma Monteiro

Em Portaria assinada no dia 18 de maio, o desembargador federal Olindo Menezes, presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª região designou o juiz federal substituto Ruy Dias de Souza Filho para responder pela vara ambiental de Belém. Olindo Menezes é o mesmo que concedeu, em 2008, liminar para libertar a cúpula do Incra acusada de fraude pelo Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso. Também foi ele quem deu a decisão que colocou em liberdade todas as 50 pessoas presas durante a Operação Sanguessuga que descobriu uma fraude em emendas parlamentares destinadas à aquisição de ambulâncias em MT.
Em 27 de maio aconteceu a cerimônia de instalação da 9.ª Vara Federal Ambiental e Agrária, no Estado do Pará que vai tratar de ações ambientais e agrárias. Essa é uma das 10 novas varas federais aprovadas pelo CJF.  Na solenidade estiveram presentes o desembargador federal Olindo Menezes, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Cesar Asfor Rocha.
Essa vara terá como ocupação específica as questões ambientais. O juiz substituto, Ruy Dias de Souza Filho, foi designado para responder pelos 3.500 processos – incluídas as ações contra Belo Monte - e sua competência abrangerá as causas relacionadas ao direito ambiental ou agrário.  
A nova unidade de Belém vai julgar ações civis públicas, direitos indígenas e crimes ambientais. Começou a funcionar a partir do primeiro dia útil após a inauguração, já com os processos ambientais ou de natureza agrária transferidos. Com isso, a Vara da Subseção Judiciária de Altamiraa do juiz Antonio Carlos Campelo - deixará de ter competência ambiental. Ele, então, não mais poderá atuar nas ações ajuizadas pelo MPF contra Belo Monte.
Três liminares bem fundamentadas do juiz Antonio Carlos Almeida Campelo, da Justiça Federal de Altamira, Pará, determinaram a suspensão do leilão de Belo Monte. Duas a pedido do MPF e outra a pedido das organizações da sociedade civil. As três foram cassadas em tempo recorde pelo TRF.  A terceira liminar foi, inclusive, ignorada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sob a alegação que a decisão judicial [que suspendia o leilão] chegou somente após o final do leilão.
Tanto o MPF como o próprio juiz Campelo questionaram, em entrevistas, o não cumprimento da terceira liminar que suspendia o leilão, classificando essa atitude como um desrespeito à ordem judicial. Coincidência ou não, Campelo agora não decide mais causas ambientais no Pará, depois de contrariar interesses do setor elétrico comandado, sabidamente, por José Sarney  e a ex-ministra Dilma Rousseff. A Advocacia Geral da União (AGU), que representa o Governo Federal nas ações, ameaçou processar todos que ousaram tentar a suspensão do leilão de Belo Monte: juiz, MPF e ONGs.  

Contrariando interesses

Antonio Carlos Almeida Campelo interferiu pela primeira vez no caso de Belo Monte em 2006 quando, a pedido do MPF do Pará, entendeu que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) não deveria continuar o processo de licenciamento ambiental e que as audiência públicas não poderiam ser realizadas. Na decisão judicial proferida depois que apreciou a inicial da Ação Civil Pública (ACP), Campelo considerou que seria obrigatória a consulta prévia aos povos indígenas para a exploração de recursos hídricos em suas terras.
A Constituição Federal de 1988 determina que o aproveitamento de recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra em terras indígenas só serão possíveis com autorização do Congresso Nacional, depois de ouvidos os povos interessados. No despacho de Antonio Carlos Campelo ele esclarece que "Assim, parece-me razoável a interpretação de que a oitiva das comunidades indígenas interessadas deve ser anterior à autorização do Poder Legislativo"
Já nessa época ele considerou o impacto significativo da construção de Belo Monte. Numa rápida pesquisa da carreira de Antonio Carlos Almeida Campelo fica patente que suas decisões contrariam grandes interesses. Em 2007 desmascarou todo um aparato que envolvia projetos ilegais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na criação de 107 assentamentos irregulares no oeste do Estado do Pará. A pedido do MPF, Campelo afastou do cargo por 60 dias o superintendente do Incra em Santarém, Pedro Aquino de Santana, e mais quatro servidores da autarquia.
Em 2008, uma decisão inédita de Campelo determinou que 3.500 cabeças de gado de um fazendeiro passariam para a posse do Ibama, como fiel depositário. A fazenda está em área que pertence às unidades de conservação da União, à Estação Ecológica da Terra do Meio e ao Parque Nacional da Serra do Pardo, na região do Xingu, no Pará. Ainda nesse mesmo ano obrigou a Telemar Norte Leste S/A a oferecer acesso à internet sem provedor adicional para os clientes do serviço Velox. O benefício valeria para usuários em todo o Brasil.
Tem mais ainda. O juiz Campelo, incomodado com as ameaças no caso de Belo Monte, fez várias declarações e deu algumas entrevistas explosivas onde denunciou, inclusive, as pressões que sofreu de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). 

Justiça independente?

A quantidade de ações com assunto ambiental e agrário nas Seções Judiciárias dos Estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Rondônia, ajuizados pelo MPF e ONGs, está interferindo na estratégia do Governo Federal de construir mega obras na Amazônia. Estão sendo criadas varas ambientais nas principais capitais dos Estados da Região Norte, que têm cronograma de implantação até o final de 2010, com o único objetivo de agilizar o julgamento de liminares  e tentar direcionar as decisões e sentenças.
Deverão ser nomeados juízes escolhidos a dedo para cuidar de assuntos específicos, como na 9ª Vara Ambiental de Belém que assumiu o caso de Belo Monte e deverá atuar nas futuras  ações contra o Complexo do Tapajós.  Além de tudo, o juiz Ruy Dias de Souza Filho foi designado sem prejuízo de suas funções na 2ª e na 8ª Varas da Seção Judiciária do Estado do Pará.
Essa “reforma” no momento em que um juiz entende como legítimos e legais os pedidos fundamentados nas ações propostas pelo MPF e ONGs contra a construção de Belo Monte não vai melhorar a atuação do judiciário. A nova vara federal de Belém terá jurisdição em todo o Estado do Pará e sua competência abrangerá todas as ações (cíveis, criminais e de execuções fiscais) em tramitação no Estado que direta, ou indiretamente, versem sobre o Direito Ambiental ou Agrário.  Na verdade o que se pretende é afastar os “entraves”.  
A inauguração da Vara Ambiental foi tão açodada que o Diretor do Foro da Seção Judiciária do Estado do Pará terá que providenciar o remanejamento provisório de servidores em quantitativo suficiente para o funcionamento da vara. Fica clara a manobra para tirar juízes como Antonio Carlos Almeida Campelo do caminho dos projetos do PAC.


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