Pular para o conteúdo principal

Impacto de usina no Xingu pode ser três vezes maior que Tucuruí, alerta especialista a Lula



Oswaldo Sevá

Ao Exmo. Sr. Presidente da República
Luis Inácio Lula da Silva

No próximo dia 22 de julho, Vossa Excelência receberá em audiência Dom Erwin Krautler, presidente do Conselho Indigenista Missionário, acompanhado pelo professor Dr. Célio Bermann, da USP, pelo procurador da República em Belém Dr. Felício Pontes Jr, e por algumas lideranças populares e indígenas da região de Altamira (PA).
Fui convidado para integrar a comitiva, e iria com muito prazer, mas a minha recuperação de uma cirurgia pulmonar e os efeitos das sessões de quimioterapia não recomendam que eu saia de Campinas (SP) para tal missão.
Para que V. Excia. Se recorde de mim, um lembrete: quando nos conhecemos, em 1994, o então candidato veio à minha cidade para a comemoração dos 40 anos da lei de criação da Petrobrás. Junto com os sindicalistas petroleiros, a quem eu assessorava na área de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, visitamos a Refinaria de Paulínia.
Posteriormente, colaborei com as suas "Caravanas da Cidadania", a convite da Sra. Clara Ant e do professor Dr. José Francisco Graziano da Silva, na época seus auxiliares mais próximos. Na sede do PT, na Barra Funda, e depois, no Instituto da Cidadania, no Ipiranga, tive a chance de lhe explicar com dados técnicos e mapas os principais problemas e investimentos em energia na Amazônia e nas fronteiras Oeste e Norte. E não nos vimos mais desde 1996.
Por isso, escrevi essa mensagem, que vai anexa ao exemplar do livro que lhe será entregue no dia 22, "Tenotã Mõ. Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu", publicado em 2005. Foi por mim organizado, escrito por 17 autores, incluindo cinco estrangeiros que conhecem bem o Brasil e os problemas das hidrelétricas.
Pois bem, Excelência, se estivesse nessa audiência, lhe diria que o projeto hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu não deve ser licenciado nem implantado pelo seu governo, nem por qualquer outro. Muitas das razões estão detalhadamente expostas no livro mencionado, das quais:
1) o impacto humano seria bem maior do que vem sendo comentado publicamente; mais de vinte e cinco mil brasileiros moradores de Altamira, da área rural da Transamazônica e barranqueiros do Xingu serão obrigados a se mudar, e em quase todos os casos, isso os tornará ainda mais pobres;
2) a obra prevista é bastante complexa, mais do que qualquer outra grande hidrelétrica nesse país, com três grandes barragens de concreto, vários canais concretados, largos e longos, cinco represas nas terras firmes, entre a Transamazônica e a margem esquerda do Xingu, com dezenas de quilômetros de diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, com a água entrando por bairros de Altamira - algo que custará entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões, e, a depender dos contratos feitos, poderá provocar na economia nacional uma sangria duas ou três vezes maior do que os prejuízos que amargamos com os contratos da usina de Tucuruí desde 1984.
3) seria em parte destruído e em parte totalmente adulterado um dos locais mais esplendidos do País, 100 quilômetros seguidos de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas e outras relíquias arqueológicas - um verdadeiro monumento fluvial do planeta: a Volta Grande do Xingu.
A propósito, os ditadores-generais decretaram há 30 anos a morte das Sete Quedas de Guaíra, submersas pela represa de Itaipu, um erro gravíssimo, de lesa-humanidade, a não ser repetido. Se não há razão para destruir as Cataratas do Iguaçu, também não há para destruir a Volta Grande do Xingu!
Cordialmente, fico ao seu dispor

»»» Oswaldo Sevá, 59, é professor no Departamento de Energia e na Pós-Graduação em Antropologia da Unicamp, além de organizador do livro coletivo "Tenotã Mõ. Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, Pará, Brasil". Foto cedida ao autor por Francisco Del Moral. Clique aqui para conhecer o "Sítio do Tio Sevá".

Fonte: Terra Magazine
Link: http://terramagazine.terra.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.   Introdução para atualizar nossa memória sobre o projeto Ferrogrão O projeto da Ferrogrão envolve a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de Contas da União (T...

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China Imagem: Portal Lubes Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O presidente Lula e Xi Jinping assinaram um acordo (20/11) no qual um dos itens propõe a construção de novas usinas nucleares com tecnologia considerada, no documento, avançada e segura, além de ser um marco importante na cooperação entre Brasil e China. O acordo promete fortalecer a capacidade produtiva e a segurança energética dos dois países, promovendo o desenvolvimento de tecnologias nucleares de ponta. Não esqueçamos que Angra 3 já está caindo de velha, antes mesmo de ser terminada. A construção da usina, localizada no estado do Rio de Janeiro, entrou na sua fase final com a montagem dos componentes principais e instalação do reator nuclear. Angra 3 está em obras desde 30 de maio de 2010 e enfrentou vários atrasos ao longo dos anos. As interrupções aconteceram em 2015 devido a uma revisão do financiamento e investigações ...

A “colonização dourada” idealizada pela China

A “colonização dourada” idealizada pela China   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures , assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.   Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) [1] . Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasi...