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Rio Madeira: novo relatório de Sultan Alam aponta sérios riscos operacionais para a usina de Jirau




Segundo o especialista, dificuldades operacionais severas poderão levar à perda de geração. 
Telma Delgado Monteiro

Sultan Alam, o consultor internacional cuja especialidade é sedimentos, foi novamente chamado para se manifestar sobre o rio Madeira e desta a vez a pedido da Energia Sustentável do Brasil S.A., para dar um parecer sobre o projeto e a alteração da localização do arranjo da usina de Jirau.

Em Julho de 2008 ele emitiu um novo relatório, devidamente traduzido por tradutor juramentado, sobre o projeto da Hidrelétrica Jirau, na Ilha do Padre, 9,2 quilômetros abaixo do local original, na Cachoeira de Jirau.

Chamou-me especial atenção as páginas 9 e 10 do documento, em que ele se reporta ao gerenciamento do transporte de sedimentos de partículas de quartzo bruto. Numa nota de rodapé ele explica não ter encontrado nenhuma amostra disponível dos tamanhos dessas partículas durante sua visita e, no texto,  complementa “que é muito importante ter certeza quanto ao material total de sedimentos que está sendo transportado pelo rio Madeira através da bacia superior de Jirau”.  Continua...

Enfatiza sua preocupação com o comportamento estrutural da barragem se não houver informação suficiente sobre os sedimentos e os impactos que poderão causar.  Há ainda, segundo o parecer de Sultan Alam, o risco de perda das turbinas que poderia inviabilizar uma obra de dezenas de bilhões de reais de investimentos e, pior, depois de produzidos imensuráveis prejuízos socioambientais.

Como se vê, até agora, depois de concedidas as licenças ambientais para a usina de Santo Antônio e na iminência da licença de instalação de Jirau, as lacunas no Estudo de Impactos Ambientais (EIA/RIMA), são incríveis. Não se conhece, até hoje, realmente, a extensão desses impactos ambientais e estruturais, como demonstra a falta de informações sobre o transporte de sedimentos apontada no relatório de Sultan Alam. O rio Madeira é classificado com um dos maiores do mundo em aporte de sedimentos.

Há mais ainda. O especialista se refere também, em outro item, ao gerenciamento de grande quantidade de fragmentos flutuantes, troncos que têm 30, 40 metros, de até 2 metros de diâmetro, como ele mesmo explica (e demonstram as fotos) que podem chegar à casa de força, obstruí-la  e paralisar a usina completamente. Sultan Alam argumenta que, se esse material transportado não for administrado (os estudos ambientais não dimensionaram a gravidade do problema, fazendo apenas uma menção inócua), as dificuldades operacionais serão severas e conduzirão à perda de geração.

Sua preocupação vai mais além, quando compara a carga de material flutuante do rio Mississipi (USA) com a do rio Madeira: o primeiro tem uma descarga de 4 500 m³/s com um volume total de fragmentos na ordem de 150 mil m³ e o rio Madeira uma descarga de 30 000 m³/s, com um volume total de fragmentos por volta de 1 milhão de m³.  Talvez estejam ai os motivos para a hecatombe anunciada pela equipe técnica do Ibama, no Parecer Técnico 45/2008.

Impressiona o fato de que esses graves problemas não diagnosticados no processo de licenciamento, na fase dos estudos ambientais ou dos estudos de viabilidade, ainda que apontados pelos técnicos, não impediram a concessão das licenças ambientais pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

Além da equipe técnica do Ibama, que já havia alertado para esses riscos, vem um especialista internacional e confirma os mesmos temores. Se já não bastassem outros indícios gravíssimos de irregularidades que constam dos pareceres técnicos do próprio instituto responsável pelas licenças, esses já seriam mais que suficientes para demonstrar a inviabilidade ambiental dos empreendimentos no rio Madeira.

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