Pular para o conteúdo principal

Apagão? Não, imposição de um modelo decadente

Charge: sociedadealternativasaorafaelrn.blogspot.com 

Por Telma Monteiro

Ironia do destino. O JN informou que as hidrelétricas estão com nível quase igual ao da época do apagão.
“Foi o terceiro mês seguido de queda. A quantidade de água dos reservatórios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que abastecem 70% do país, vem baixando desde o início da temporada de chuvas: 43% da capacidade de armazenamento em dezembro do ano passado; 40% em janeiro deste ano e 34% agora em fevereiro. É um nível semelhante ao de fevereiro de 2001, ano do racionamento, quando os reservatórios estavam com 33% da capacidade.

Bem feito. Não foi falta de avisos por parte de cientistas, especialistas, pesquisadores, professores. Uma matriz elétrica calcada em mais de 70% em hidrelétricas, com as mudanças climáticas batendo na nossa porta, só poderia dar nisso. “Fartura de energia”, diz o governo. “Somos abençoados por uma energia tão limpa, enquanto o mundo se estapeia por ela”. Mas esse mundo já saiu na frente, buscando a solução. E o Brasil? Não saiu do lugar.

As usinas no rio Madeira foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos a beira do apagão se elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós e no rio Teles Pires.

De 2003 até agora, onze anos depois que essa histeria começou, as usinas do Madeira, já em conclusão, não estão servindo para nada. As linhas de transmissão com 2 .450 km para trazer a energia de Porto Velho para o Sudeste, só ficaram prontas depois que as turbinas de Santo Antônio estavam operando. As mesmas turbinas de Santo Antônio que agora foram desligadas por ordem do Operador Nacional do Sistema (ONS) devido à cheia. Linhas de transmissão com custo absurdo não estão transportando, hoje, nenhum MWh. A previsão é que as cheias da bacia do rio Madeira vão avançar para todo o mês de março.

Na mesma toada vão as obras de Jirau, com algumas poucas turbinas em operação, com custos que já dobraram, subsidiados pelo BNDES dos governos de Lula e Dilma Rousseff, estão ameaçadas de colapso pela enchente histórica. Do outro lado da fronteira as autoridades bolivianas gritam que tinham a garantia das autoridades brasileiras de que as usinas não afetariam seu território. Balela! Tanto os bolivianos como os brasileiros sabiam direitinho que a Bolívia sofreria com as hidrelétricas. Até os estudos de viabilidade confirmavam isso. Estudos que os próprios empreendedores fizeram e que a Aneel aceitou.

Nada melhor para calar a boca de uns e outros que promessas de dinheiro e mega obras para políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos que consomem muito concreto e ferro e que precisam remover milhares de m³ de rochas. Mais duas hidrelétricas foram acertadas, uma em solo boliviano e outra binacional, e então ficou o dito pelo não dito.

O rio Madeira foi subestimado quando os estudos de viabilidade e ambientais foram elaborados lá em 2002/2003. Nesses onze anos não houve a mínima preocupação do governo para incentivar programas de eficiência energética ou de economia de energia elétrica. População, indústria e comércio continuaram num festival de consumo de energia elétrica, já que o possível apagão iminente, inventado pelo setor elétrico do governo, tinha sido evitado com as usinas no rio Madeira.

Porto Velho está a jusante (rio abaixo) cerca de seis quilômetros da barragem de Santo Antônio e está sofrendo seus impactos. Bom lembrar que Altamira, no Pará, ao contrário, está cerca de seis quilômetros a montante  (rio acima) da barragem de Pimental, da hidrelétrica Belo Monte. Se as cheias que assolam a bacia do rio Madeira se repetirem na bacia do rio Xingu, teremos surpresas desagradáveis. Alguém já está pensando nisso?

Nem as alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica fizeram parte do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia (MME). Menos mal, quem sabe assim, com um sistema à beira de um colapso, alguém no governo começa a pensar em para quem realmente está servindo a energia produzida pelas hidrelétricas e para que ela está sendo utilizada, na verdade. E seria bom aproveitar o embalo para tentar (acho que já escrevi isso mais de uma centena de vezes) minimizar as perdas técnicas das nossas linhas de transmissão e distribuição sucateadas. Isso também gera apagão.

Para agravar a situação, Dona Dilma, querendo fazer gracinha com o povo brasileiro que, infelizmente, não entende essa história de energia elétrica, acabou prometendo descontos mirabolantes na conta de luz. O resultado, evidente, o consumo aumentou.

Como isso tudo vai acabar? Não tenho bola de cristal, mas que a caixa preta do Ministério de Minas e Energia tem que ser aberta, tem. Essa seria uma boa oportunidade com a questão tão evidente na mídia. 

Comentários

  1. Na Galiza vense na obriga de soltar auga das presas polo exceso de choiva. Creandose un problema: cando chega as praias das Rías elimina o marisco polo exceso de concentración de auga doce ¿Sería posíbel utilizá-os grandes petroleiros para transportare a auga que tiramos aos lugares onde se necesita?. Levar auga galega por exemplo a Africa será posíbel ou soio é unha idea tola de alguén que reconhece a súa ignorancia nesta materia?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.   Introdução para atualizar nossa memória sobre o projeto Ferrogrão O projeto da Ferrogrão envolve a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de Contas da União (T...

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China Imagem: Portal Lubes Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O presidente Lula e Xi Jinping assinaram um acordo (20/11) no qual um dos itens propõe a construção de novas usinas nucleares com tecnologia considerada, no documento, avançada e segura, além de ser um marco importante na cooperação entre Brasil e China. O acordo promete fortalecer a capacidade produtiva e a segurança energética dos dois países, promovendo o desenvolvimento de tecnologias nucleares de ponta. Não esqueçamos que Angra 3 já está caindo de velha, antes mesmo de ser terminada. A construção da usina, localizada no estado do Rio de Janeiro, entrou na sua fase final com a montagem dos componentes principais e instalação do reator nuclear. Angra 3 está em obras desde 30 de maio de 2010 e enfrentou vários atrasos ao longo dos anos. As interrupções aconteceram em 2015 devido a uma revisão do financiamento e investigações ...

A “colonização dourada” idealizada pela China

A “colonização dourada” idealizada pela China   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures , assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.   Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) [1] . Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasi...