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Movimento ambientalista: quem representa quem?

Quem são, na verdade, aqueles que nos representam? Cansei de ver nomes citados nessas lamentáveis controvérsias. Nós elegemos para os conselhos as organizações ou as pessoas? Quem são elas, as organizações e as pessoas? Qual o critério usado para indicar os que vão nos representar numa plenária do CONAMA ou do CNRH? São endógenos? Para ler o artigo inteiro clique aqui

Telma Delgado Monteiro

Tenho acompanhado vários embates em diversas listas de discussão. Confesso que fico cada vez mais preocupada com os espaços e tempos preciosos ocupados por brigas entre seus integrantes, sejam elas devido a cartas não assinadas, suspensões não compactuadas ou "diálogos" com poluidores.

Lamentavelmente o tempo vai passando e fico a imaginar quando é que o movimento ambientalista vai parar para pensar que precisa se reconstruir. Precisa olhar para dentro de si mesmo e analisar a (in) evolução que acompanhou o processo de globalização das duas últimas décadas; o resultado (do movimento) é triste, decadente, - alguém já intitulou até de autofágico, deprimente, intransigente, autoritário e depreciativo.
O que eu quero mesmo deixar registrado é que posso sentir nas mensagens trocadas o apego, seja de um ou de outro, intitulados “lados”, ao poder. Pior, a um poder rançoso, viscoso e que corrói até os mais éticos. 

Aqueles que têm como base uma bagagem na qual a luta pela causa ambiental está acima de tudo cedem, refletem, estudam e não se deixam levar pelo orgulho. Aqueles que têm na bagagem um carimbo de advertência - “frágil”, já chegam com o vírus do deslumbramento latente e precisam de espaço que lhes dê a sonhada notoriedade.

Estamos enfrentando essas duas forças e ambas são movidas tanto pelo orgulho como pelo canto das sereias da notoriedade. Percebe-se  uma ganância de poder e uma ânsia para ocupar um espaço que os catapulta para um universo diferente da realidade que a militância enfrenta aqui embaixo. Alguns representantes ambientalistas nos conselhos participativos queixam-se que recebem recursos insuficientes para uma atuação digna; outros, ao contrário, entendem que serão recompensados lá na frente, de alguma forma, seja ela qual for. Há ainda aqueles que, com "agendas" lotadas, carecem de tempo para dedicar às causas e sequer conseguem acompanhar a dinâmica das listas de discussão.

Congressos, conselhos, enfim, espaços consultivos e deliberativos vivem exatamente disso. É a dicotomia de minorias que às vezes provocam o desalento das maiorias. É o encastelamento de poucos para gerar o abandono de muitos. Esses muitos (os militantes) têm vozes, pensam, elaboram, enfrentam, organizam, criam, sofrem, enquanto uns poucos se engalfinham para manter o espaço dos ungidos. Quem são, na verdade, aqueles que nos representam? Cansei de ver nomes citados nessas lamentáveis controvérsias. Nós elegemos para os conselhos as organizações ou as pessoas? Quem são elas, as organizações e as pessoas? Qual o critério usado para indicar os que vão nos representar numa plenária do CONAMA ou do CNRH? São endógenos?

Na hora de votar uma resolução, corrigir um rumo ou evitar um desastre, quem deve decidir é o indivíduo presente na plenária ou o coletivo? Esse indivíduo tanto pode representar a si mesmo como ao coletivo. Damos um voto de confiança e não uma procuração, um papel assinado em branco; é isso que, me parece, está acontecendo.

Podemos assistir, por outro lado, os carniceiros rondarem os restos mortais desses embates do movimento para cooptar os fracos e com isso se perpetuar no poder. Isso já acontece há muito tempo em conselhos no Brasil, quando pequenos atores do interior dos Estados são guindados ao púlpito de uma plenária ou de uma Câmara Técnica com a oportunidade de expor sua demanda local ou regional em troca de um voto que reconduzirá um “atencioso” conselheiro ou elegerá outro que por ele foi indicado. 

Atentem, isso está acontecendo também no CONAMA e no CNRH. Já está em prática o mesmo “modus operandi”, porém mais sofisticado, em que quartéis generais estão sendo erguidos em Brasília, ou lá já existem, para cooptar ambientalistas, digamos, desavisados, e formar outro exército inocente que irá oferecer muitas dificuldades para que algumas facilidades sejam vendidas. A soldo de quem?

Estou sendo muito cruel? Pois é, chegou a hora de expor nossas chagas e expurgar seus miasmas. Só assim o movimento ambientalista terá cura. 

Quando vejo cenas das bolsas de valores do mundo, me chama a atenção que todos os operadores, sem exceção, todos, estão conectados diretamente com suas empresas, clientes, governos, quaisquer que sejam seus representados, para tomar decisões. O “movimento” financeiro se protege, mesmo num momento de crise avassaladora. Seus representantes protegem quem os escolheu. Todos se unem para minimizar os riscos, pois a responsabilidade é proporcional à competência que define e orienta as decisões. 

No CONAMA, no CNRH ou em qualquer outro conselho, federal, estadual ou municipal, independente de paridade, não há essa interação. Nossos representantes ambientalistas (toda regra tem exceções) não nos dão satisfação, não perguntam o que achamos, não nos concedem a oportunidade de, sequer, saber as implicações daquilo que pode atingir a sociedade. O melhor exemplo que ilustra isso é a questão do diesel, com uma Resolução CONAMA aprovada, mas que não será cumprida. Quem de nós em sã consciência sabia, antes que fosse parar na mídia, que as montadoras ou a ANP não estavam tomando as necessárias providências para a redução do nível de enxofre. Afinal, a resolução tem força de lei. Esse assunto foi monitorado? Onde estavam os conselheiros do CONAMA que tinham obrigação de acompanhar seu desenvolvimento? 

E, por favor, não me venham com a desculpa de que mandam informações pelas listas e ninguém se pronuncia ou dá retorno. Ou que, pelo fato de os conselheiros não serem remunerados não têm tempo suficiente para se dedicar à matéria e dar a ela a necessária divulgação. Se esses conselheiros estão lá, usando o dinheiro público, mesmo que insuficiente para bancar suas despesas de hospedagem e refeições, é porque aceitaram a responsabilidade e devem, sim, satisfações, mesmo que elas caiam no vazio. Alguém vai ler e alguém vai ficar ciente dos acontecimentos. 

Quero, sim, saber como será feita a proposta da reforma do CONAMA, como ela vai ser construída e quem serão os responsáveis por ela. Quero, sim, saber como todos nós ou apenas os que se interessarem poderão contribuir. Essa é uma discussão do movimento como um todo e não de umas poucas eleitas ONGs. Temos que ter cuidado para que influências travestidas em diálogos não corrompam as propostas. Tenho conversado com tanta gente boa que pertence ao movimento ambientalista pelo Brasil afora e não quer participar de rede nenhuma, e quem participa não tem coragem de se manifestar por medo de contrariar esta ou aquela corrente e ser execrado, como temos assistido.  

Escrever uma carta ao Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em nome de todo o movimento ambientalista, sem que esse movimento tenha tido a oportunidade de conhecer seu teor, com antecedência, me parece uma demonstração de pouco caso para com aqueles que estão atrás na fila. Esses nossos representantes não têm  procuração para pontuar nossas reivindicações sem nos ouvir primeiro. Suspender os trabalhos no CONAMA me pareceu uma excelente alternativa à que o governo está nos brindando. No entanto a discussão não chegou nem perto de onde deveria chegar: quem, quando, porque e como. Aos conselheiros no CONAMA não foi dada a prerrogativa de decidir por todos os brasileiros. Até o governo tem que ouvir, através de audiências públicas, aquilo que pensa a sociedade, mesmo que, nesse caso, seja pro forma. 

As grandes ONGs profissionalizadas estão blindadas e não participam desses conselhos. Nós, pequenas, somos infinitamente melhores porque enfrentamos, temos  amor à causa, dedicação, criatividade. Estamos saindo desse confronto, fragilizados, combalidos e os moinhos de vento, na ausência do seu Don Quixote, com muita vida!

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