Pular para o conteúdo principal

O equívoco do "Financial Times"


Telma Monteiro

O  jornal britânico "Financial Times" divulgou em um suplemento especial de 23 de abril que o Brasil está entre os países com melhor sustentabilidade.  Para embasar tamanha estultice apresentou alguns argumentos que só reforçam o desconhecimento que tem o resto do mundo sobre o que acontece no Brasil, com relação a esse tema.

Para o FT o Brasil reduziu o desmatamento da Amazônia a uma fração do seu rítmo anterior, de 27 mil quilômetros quadrados em 2004 para 6,5 mil quilômetros quadrados em 2010. Isso só pode ser um indicativo de sustentabilidade, lá, no outro lado do mundo. Como é possível aceitar que 6,5 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia seja considerado sustentável? No conceito de sustentabilidade que se conhece não tem espaço para desmatamento na Amazônia e em nenhum outro bioma!

Para ilustrar:
"O ritmo de desmatamento na Amazônia mais que quintuplicou no bimestre março-abril (alta de 473%), em comparação com o mesmo período de 2010." (Agência Estado, 19/05/2011)

"O desmatamento acumulado no período de agosto de 2010 a julho de 2011, correspondendo aos doze meses do calendário atual de desmatamento aumentou 9% em relação ao ano anterior (agosto de 2009 a julho de 2010), segundo o sistema de análise de imagens de satélites do Imazon, o SAD." (Ecopolítica, 24/08/2011)

" Somente em março deste ano [2012], o desmatamento atingiu 53 km², 15% a mais de em março de 2011, quando foram desmatados 46 km². Cerca de 60% do desmatamento ocorreu em Mato Grosso. O Pará está em segundo lugar, com 25% e Rondônia em terceiro, com 9%. 11);" ( Brasil.gov.br, 19/04/2012)

Outras pérolas do FT para corroborar o conceito de sustentabilidade brasileiro: que 80% da floresta amazônica estão intactos; que três quartos da energia consumida são gerados por hidrelétricas, e que cerca de 50% da matriz energética brasileira vêm de fontes renováveis; que 80% do combustível que move a frota brasileira vêm de outra fonte renovável, o etanol.

O FN está se referindo à nossa Amazônia? Porque, se estiver, deve haver algum tipo de informação distorcida, muito provavelmente fornecida pela publicidade enganosa veiculada pelas instituições e autoridades do governo brasileiro.  Com relação à "sustentabilidade" do modelo de geração de energia elétrica calcado em hidrelétricas, nem é preciso descrever com muitas palavras o que está acontecendo em Altamira, no Pará, com a construção de Belo Monte. Há muitas imagens divulgadas nos últimos dias que mostram a destruição que chamam de "obra".

Justiça seja feita, o texto do "Financial Times" faz menção ao prêmio que a Vale ganhou como a empresa mais insustentável do mundo e ao código florestal ou código "bestial" que querem fazer passar no Congresso.

O FT, no entanto, tem razão numa coisa: como o anfitrião da próxima conferência Rio+20, poucos grandes países estão em melhor posição que o Brasil para defender o desenvolvimento sustentável. Mas, para apontar aquilo que não se deve fazer em matéria de crescimento econômico insustentável e usar, como exemplos, os erros cometidos dentro de casa.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.   Introdução para atualizar nossa memória sobre o projeto Ferrogrão O projeto da Ferrogrão envolve a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de Contas da União (T...

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China Imagem: Portal Lubes Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O presidente Lula e Xi Jinping assinaram um acordo (20/11) no qual um dos itens propõe a construção de novas usinas nucleares com tecnologia considerada, no documento, avançada e segura, além de ser um marco importante na cooperação entre Brasil e China. O acordo promete fortalecer a capacidade produtiva e a segurança energética dos dois países, promovendo o desenvolvimento de tecnologias nucleares de ponta. Não esqueçamos que Angra 3 já está caindo de velha, antes mesmo de ser terminada. A construção da usina, localizada no estado do Rio de Janeiro, entrou na sua fase final com a montagem dos componentes principais e instalação do reator nuclear. Angra 3 está em obras desde 30 de maio de 2010 e enfrentou vários atrasos ao longo dos anos. As interrupções aconteceram em 2015 devido a uma revisão do financiamento e investigações ...

A “colonização dourada” idealizada pela China

A “colonização dourada” idealizada pela China   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures , assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.   Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) [1] . Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasi...