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Norte Energia toma terra de ribeirinhos à força sem pagar pela área e parte da produção



Combate ao Racismo Ambiental - A Norte Energia (Nesa), concessionária responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, desapropriou, através de ordem judicial, mais uma propriedade na área de construção do canteiro de obras da barragem, às margens do Rio Xingu, destruindo a casa da família e depositando o valor da indenização em juízo no Banco da Amazônia.

Após recusar uma proposta rebaixada de valores que não contemplavam as principais plantações do lote, a família de Maria das Graças Militão e Sebastião Pereira foi expulsa de suas terras. O casal, que tem quatro filhos, era dono do lote há 8 anos. “Quando chegamos aqui, era só mato”, conta Sebastião. “Aí eu e meu filho abrimos tudo e começamos a plantar, a montar o barraco na beira do rio”, continua. Na época, seu filho Jefferson tinha 13 anos. E do mato surgiram 16 mil pés de cacau, 50 mil de açaí, 24 mil de banana, além de milhares de pés de mamão, abacaxi, macaxeira e diversas outras culturas.

Além das plantações, seu Sebastião conserva floresta em 3/4 de seu território. “Nunca quis mexer”, explica.  “A gente tem 4 alqueires de cacau, o resto é tudo mato. O resto é [faz as contas]… 38 alqueires de mata virgem. Mais de um lote e meio de reserva”. Segundo ele, a Norte Energia não incorporou a floresta nas indenizações.
Negociação

Segundo dona Graça, a primeira proposta de indenização, feita verbalmente pela Nesa, foi de que seriam pagos 120 reais por cada pé de cacau plantado em sua propriedade. Contudo, no laudo de avaliação entregue em 23 de fevereiro deste ano, o valor praticado era de 96,93 reais por pé. O cacau, somado às diversas outras plantações e às benfeitorias, totalizava pouco mais de 1 milhão de reais.

No entanto, a versão final do acordo – já rebaixada, porque ignorava plantações como o açaí e a floresta protegida (3/4 do território) – era muito diferente desta. O valor do pé de cacau, de 96,93 reais, caiu para 12,31 reais – e a indenização pela plantação caiu para R$ 240 mil. A justificativa para a redução do preço era de que as sementes usadas no plantio do cacau não eram as fornecidas pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dona Graça, então, juntou os documentos que provavam, sim, que as sementes eram da “ceprac” – pronúncia regional.

Propriedade

Então, surgiu um novo problema. A Nesa informou que não pagaria a indenização referente à terra, pois existia um documento duplicado de propriedade daquele terreno, e o proprietário do documento duplicado havia deixado uma dívida no Banco da Amazônia (Basa). “Isso é comum em Altamira e aqui na região”, explica a coordenadora do Movimento Xingu Vivo, Antonia Melo. “Já teve até cartório que fechou na cidade, por conta de emitir documentos falsos de propriedade”.

Mas, mesmo em posse de todos os documentos que provavam a compra e a propriedade da terra, não houve mudança no acordo proposto. Seu Sebastião e a família decidiram, então, que não aceitariam uma indenização. “Minha vida é trabalhar. Eu sempre fui assim”, diz. “O mundo parece que tá meio atravessado. Não tô contente com essa coisa aqui não. Você trabalha pra ter as coisas, aí o cara vem aqui jogar a gente pra fora, como se isso aqui fosse terra grilada. Eu comprei, eu paguei, tenho escritura. Pra que o cartório fez a escritura? Pra que o Incra fez documento?”, desabafa.

No último dia 6 de setembro, por ordens da Nesa e da Justiça, a polícia foi à propriedade de dona Graça e seu Sebastião, destruiu a casa sem a presença dos proprietários e levou seus pertences a Altamira. No momento, seu Sebastião estava na roça de cacau, e acha que isto o salvou de ser levado também.

Para Dona Graça, a família está sendo perseguida pela Norte Energia. “Eu já fiz até um B.O. contra o advogado da empresa ”.  Ela se refere ao advogado  e  gerente de assuntos fundiários da companhia, dr. Arlindo Gomes de Miranda – figura non-grata por onde passa. “Eu sempre discuti com ele, porque eu nunca quis barragem, a gente nunca pediu isso aqui. E ainda tratam a gente como lixo, como obstáculo”, expõe. “Sabe como ele me respondia? Dizia que ia passar aqui em cima com trator de esteira, se a gente aceitasse ou não”.

“A gente sabe que tem muita coisa errada”, conta Jefferson. “Tem muito beradeiro que aceitou qualquer valor por causa dessa pressão, porque ficou com medo de não receber nada. Eles não pagaram o açaí de ninguém”, explica.
Apesar da brutalidade sofrida, seu Sebastião e a família não deixaram de trabalhar no lote. Continuam produzindo. “Eu não vou sair daqui. Tô trabalhando igual, apesar da preocupação. Tem muito cacau pra colher e tenho que me preparar pro ano que vem. Não sei ficar parado. Se eu ficar parado, vou começar a pensar em besteira”.


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