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Índios isolados da fronteira Brasil-Peru ameaçados por grupo de peruanos armados


Índios Isolados
funai.gov.br

Equipe da Funai encontra um pedaço de flecha de indígenas isolados na mochila de um acampamento abandonado por grupo paramilitar peruano que invadiu o Acre.

Maria Emília Coelho, de Tarauacá (Acre)

Quatro funcionários e um sertanista da base da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, mantida pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), no igarapé Xinane estão cercados por grupos paramilitares peruanos armados. Na tarde de ontem, Artur Meirelles, Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira (FPERE/FUNAI), e mais dois mateiros que trabalham na Frente de Proteção, foram buscar mais vestígios na área. Encontraram um acampamento no outro lado do rio, onde havia um colchão, muitos sacos de açúcar, e uma mochila com cascas de cartuchos roubados da base e um pedaço de flecha dos índios isolados.

“Os peruanos fizeram correria de índios isolados, como estava suspeitando. Temos agora uma prova cabal. Estamos mais preocupados do que nunca. Esta situação pode ser um dos maiores golpes já visto nos trabalhos de proteção dos índios isolados das últimas décadas. Uma catástrofe da nossa sociedade. Genocídio!”, afirmou Carlos Travassos, Coordenador Geral de Índios Isolados e Recente Contato (CGIIRC) da FUNAI.

A fronteira entre Brasil e Peru abriga a maior população de indígenas em isolamento na Amazônia. Ao longo da história, esses povos resistiram à violência das frentes econômicas dos processos de colonização da floresta.

Vistos como obstáculos da exploração pelos seringalistas e caucheiros, esses povos começaram a ser dizimados por meio das chamadas correrias. Os índios que sobreviveram fugiram para as zonas mais inacessíveis da mata. Hoje, esses índios não mantêm contato permanente com a sociedade nacional.

Histórico da Invasão

No dia 23 de julho, um grupo armado de aproximadamente 40 pessoas vindas do Peru invadiu a Base de Vigilância Xinane, da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, da Fundação Nacional do Índio (Funai). A equipe que trabalha no local é responsável por garantir a proteção territorial dos grupos de índios isolados que vivem nesta região do Acre fronteiriça com o território peruano. A possível invasão foi alertada via rádio, no dia 11 do mesmo mês, por indígenas do povo Ashaninka que moram na aldeia Simpatia, localizada a três horas de barco da Base.  

O presidente da Funai comunicou o Ministério da Justiça e pediu apoio da Polícia Federal e do Exército. Mas somente uma semana depois da invasão foi iniciada uma operação do Comando de Operações Táticas (COT) e da CAOP (Coordenadoria de Aviação Operacional) na área, com o apoio logístico do Estado do Acre e do Exército. “Pelo local ser muito distante, a PF não pode agir prontamente, necessitou do helicóptero do exército. Mas também deveriam ter mandado um efetivo do exército para participar da operação, pois se trata de narcotraficantes e de uma força paramilitar estrangeira”, explica Carlos Travassos, Coordenador Geral de Índios Isolados e Recente Contato (CGIIRC/FUNAI).

Durante a operação, a ajuda dos mateiros que trabalham na Frente foi determinante para a equipe de 25 policiais da Polícia Federal conseguirem rastrear e prender, no dia 3 de agosto, o português Joaquim Antônio Custódio Fadista. O narcotraficante que atua no Peru já havia sido capturado na mesma base em março deste ano por Artur Meirelles, o atual Coordenador da Frente de Proteção Envira, e encaminhado a Polícia Civil do município de Feijó.

Após pesquisa mais detalhada, ficou constatado que o português já havia sido expulso do Brasil, e procurado pela Polícia Nacional peruana, por envolvimento com o tráfico de drogas. A Polícia Federal brasileira foi acionada para os procedimentos do mandado de prisão. Depois de ser interrogado, ele foi transferido para a Delegacia de Imigração e extraditado para o Peru. Mas no mês passado voltou  para Base do Xinane atrás da uma mochila, supostamente com droga, que havia escondido na área meses atrás.

“Quando o português foi preso nesta semana ele debochou da cara de todo mundo dizendo que logo iria sair e que ainda pagaríamos a passagem dele de volta”, contou Artur Meirelles que estava no local junto com a equipe da PF. O português disse coordenador da CGIIRC que viu o acampamento do grupos isolado Masko-Piro nas cabeceiras do Envira na metade do caminho.“Acho que esse cara, além de traficante, é genocida de índios”, afirmou Travassos preocupado.

Existe a possibilidade de o português estar contando com o apoio do Sendero Luminoso. Os homens armados que foram avistados pela equipe da Frente da FUNAI, e pelos índios Ashaninka, estavam com uniformes parecidos com o do grupo terrorista. Nos últimos anos, os remanescentes do Sendero Luminoso operam na floresta peruana em aliança com narcotraficantes. 

Nesta quinta-feira, a equipe da Polícia Federal retirou todo mundo da base. Apesar de boa parte da equipe estar com vontade de continuar a operação, a ordem é que ela deveria ser terminada nesta sexta-feira. O sertanista José Carlos Meirelles, que coordenou a Frente Envira por 23 anos, e a equipe da FUNAI composta por Carlos Travassos, Artur Meirelles, e mais dois mateiros contratados pela Frente, conhecidos como Marreta e Chicão, decidiram ficar na Base. Na manhã do dia de hoje, foram deixados pelo helicóptero da operação.“Já que ninguém deste Estado brasileiro se dispõe a ficar aqui, tomamos a decisão de vir para cá”, explica o sertanista.

Nesta sexta-feira à tarde, Meirelles mandou notícias via email, pois apesar da base ter sido bastante saqueada pelos peruanos, a internet continua funcionando: “Os caras ainda estão por aqui. Correram quando o helicóptero chegou. Rastro fresco. Achamos vestígios de no mínimo 6 pessoas. Tem saco de dormir, plástico, corda, e etc. Tem mato que foi quebrado há 15 minutos, escorrendo leite. Os peruanos ficaram aqui no bananal em frente a Base no último dia da operação, apenas olhando a equipe da polícia  ser retirada”.

O sertanista também deu o seu recado para o mundo: “Ficaremos aqui até que alguém ache que uma invasão do território brasileiro por um grupo paramilitar peruano é algo que mereça atenção. Somos irresponsáveis, talvez. Mas antes de tudo existe um compromisso maior com os índios isolados e os contatados, nossos vizinhos, Ashaninka”.
  

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