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Jirau e Flona do Bom Futuro: dupla ilegalidade

Telma Delgado Monteiro

Em 6 de maio de 2005, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA, a Representação dos Ocupantes da Floresta Nacional do Bom Futuro, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Rondônia firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC[1].

 O objetivo desse TAC foi o de “disciplinar a realização das medidas necessárias à desintrusão (desocupação, grifo meu) da Floresta Nacional do Bom Futuro em cumprimento à Medida Liminar nº. 2004.41.00.001887-3 de 30 de julho de 2004; buscando primordialmente promover a paz, a justiça social e o equilíbrio ambiental.”

 Em outubro de 2008 o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, desconhecendo o TAC assinado três anos antes pelo IBAMA, anunciou que as 5 mil “famílias” que ocupam a área sul da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, em Rondônia, tinham a garantia de que lá permaneceriam. Essa declaração foi feita durante uma audiência pública na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária no Senado. Leia mais...

 “Haverá um desastre ambiental e social” foram as palavras de Minc, se o governo federal insistir na remoção das “famílias” que ocupam a área de reserva há 15 anos. Ressaltou que tanto o Governo do Estado quanto o Governo Federal iriam trabalhar juntos para a regularização fundiária da área. E o TAC, como ficou?

 O ministro também afirmou que um decreto que estabelecia multa alta para produtores rurais que não averbassem a propriedade, assinado pelo Presidente Lula, seria anulado.  Com isso os ocupantes, na verdade grileiros e madeireiros que invadiram a Flona do Bom Futuro, passaram a ter apoio oficial – do ministro do Meio Ambiente - para ali permanecerem.  

 A chantagem 

Agora, o governador Ivo Cassol, que também desconhece o TAC de 2005, numa clara manobra chantagista, está condicionando a concessão da licença ambiental do estado para as obras da usina de Jirau à regularização das áreas ocupadas – que já deveriam estar livres - pelos grileiros, madeireiros e posseiros da Flona do Bom Futuro.  É importante notar que essa ocupação começou em 1988, quando foi criada a reserva  onde pastam hoje 40 mil bois.

 A atitude do governador retrata o desrespeito da administração pública para com uma decisão judicial [medida liminar] e com um Temo de Ajustamento de Conduta  que deveriam ter sido  cumpridos para a preservação da Amazônia e a integridade dos povos tradicionais que a mantém. Tentar trocara regularização de uma ocupação ilegal por uma licença ambiental que, pelos mesmos motivos, também seria ilegal é duplamente crime. 

 Cassol disse que o consórcio Enersus nunca entregou os documentos para licenciar as obras de Jirau dentro de um parque estadual. Então como elas foram iniciadas? É legal iniciar uma obra em parque estadual sem licença? Ele também afirmou que não seria contra o empreendimento, mas que ele “tem que estar na legalidade”(sic).

 Do mesmo mal padecem, portanto, a ocupação da reserva e a construção da usina: ilegalidade. O próprio governador confirmou que é ilegal a regularização da Flona do Bom Futuro tanto quanto a construção da usina num parque estadual.

 Ao buscar os entendimentos com o Palácio do Planalto, com o Ministério do Meio Ambiente e com o consórcio para permutar ilegalidades, Ivo Cassol está, junto com eles, afrontando a sociedade brasileira e abrindo caminho para um perigoso precedente.

 A solução para o conflito socioambiental da Flona do Bom Futuro não pode passar por critérios de “boa vontade” entre órgãos públicos e investidores como querem fazer crer, mas deve ser regida pela ampla transparência de todas as ações que serão realizadas, em estrita observância da lei.

 Acordos espúrios têm sido norteadores de processos de licenciamento ambiental, quer para viabilizar grandes empreendimentos do PAC como as usinas do Madeira, quer para anistiar desmatadores e grileiros.

 Neste caso, parece que vamos ter um novo “modus operandi”: numa só negociação, duas ilegalidades podem ser legitimadas, com as próprias ilegalidades sendo usadas como moeda de troca.

Leia também: Proposta do governador de Rondônia de condicionar licença de Jirau é irregular, diz advogado. Matéria de Bruno Calixto - 08/05/2009 

 [1] http://arruda.rits.org.br/oeco/reading/oeco/reading/pdf/flona_bomfuturo_tac.pdf

Comentários

  1. Olá querida Telma, amei o seu interesse pelo bem dos recursos naturais, eu também os amo, mas o motivo desse recado é para fazer uma crítica contrutiva embasada na minha opinião própria e espero não ser mal interpretado por você.
    quando você diz:"Com isso os ocupantes, na verdade grileiros e madeireiros que invadiram a Flona do Bom Futuro, passaram a ter apoio oficial – do ministro do Meio Ambiente - para ali permanecerem" infelizmente me chateia saber que essa sua opinião vem embasada em nenhuma fonte visível sua. Eu moro em Ariquemes, e já estive fazendo estudos dentro da reserva que foi "invadida" e concordo com você quando diz que existe essa dupla ilegalidade.
    Mas com esses meus estudos também posso te dizer que alí exite uma grande maioria de famílias pobres, com baixíssima renda que vívem do que plantam e que investiram tudo que tinham naquelas terras e agora são tratados como se fossem bandidos. você acha justo, que um dia alguem chegasse para você e dissesse que a sua casa confortável onde você mora é fruto de ilegalidade e que você tem prazo para sair ou adequar-se as normas exigidas por eles? ou melhor dizer que você é bandido por ter investido na ampliação da sua casas?
    Ali existem trabalhadores que estão ameçados de perder tudo o que tem, exite grilheiros lá também, mas que cidade que não tem bandidos?
    Agora depois de falar minha opinião, quero apontar culpados.
    EU asci em RO e desde novinho lembro-me dos insentivos do governo para que se derrubasse o maximo possivel, e de aproximadamente 10 anos para cá a conversa mudou. Por quê?
    Isso todos nós sabemos.Mas a culpa é de quem?
    Isso todos nós também sabemos. A reforma agraria prometida pelo lula que até agora nao se cumpriu e as políticas progressistas do seculo passado são os culpados dos problemas ambientais atuais.
    A flona bom futuro só é mais um dos montes de problemas que o Minc tem que resolver, e na minha opinião sem colocar em risco a dignidade moral dos habitantes da flona, que vivem lá desde a época dos ditosprogresso" e que nunca viram uma placa de aviso.
    os sulistas e os sudelistas já destruiram todas as suas matas e agora querem usar a energia de uma hidroelétrica ILEGAL aqui do norte.
    Tudo que visa o bem da MAIORIA bem sucedida urbana tem embasamento legal para haver ilegalidades ambientais. agora vem me dizer que você é tão naturalista que nao usa energia elétrica?
    salve salve os naturalistas que pouco se licham para o bem social dos mais humildes.
    espero realmete que você querida Telma, que escreve tão bem não se encaixe nesse grupo.
    Quero deixar bem claro que sou contra os desmatamento, mas sou à favor de medidas que priorisem as pessoas humildes da reserva.

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