Pular para o conteúdo principal

BNDES e Santander: Bancos podem "patrocinar" megaimpactos socioambientais

Telma Delgado Monteiro

As usinas do rio Madeira são mesmo os maiores projetos em andamento na América Latina e no Caribe. Grandes agentes financeiros como o Santander, que pretende financiar a usina de Santo Antônio, no entanto, já estão sendo questionados através de manifestações como as que aconteceram durante a assembléia de acionistas do banco, na Espanha. (continua)


Luis Fernando Novoa, presente à Junta dos acionistas do Santander, leu e entregou um documento que denuncia os impactos socioambientais que as hidrelétricas do Complexo do rio Madeira, em Rondônia, causarão. Impactos esses que vêm sendo apontados, à exaustão, pelos ambientalistas brasileiros. Comunidades ribeirinhas e indígenas estarão seriamente ameaçadas se for implantado o megaempreendimento, afirma o manifesto.

O presidente do Banco Santander aceitou o puxão de orelhas e pareceu sinalizar que a mensagem pode ter atingido seus objetivos, ao prometer providências. Essa promessa indica responsabilidade social, o que não acontece com o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), no Brasil.

A cumplicidade financeira do BNDES com o Consórcio Mesa, nas hidrelétricas do rio Madeira, com a Estreito Energia, na Hidrelétrica Estreito ou com a MMX Amapá-Mineração e Logística, entre outras, fere o compromisso de responsabilidade social. Os agentes financeiros, hoje, devem preocupar-se com um público de acionistas, consumidores e comunidades que exigem responsabilidade socioambiental e a utilização de critérios de sustentabilidade para avaliação de projetos de infra-estrutura.

A cobiça do BNDES pelas hidrelétricas do rio Madeira se estendeu, também, à sua participação acionária na usina de Jirau, além dos US$ 7 bilhões já prometidos para a usina de Santo Antônio. E o Banco Santander, co-partícipe do Consórcio MESA na Hidrelétrica Santo Antônio, prepara, também, a formação de um grupo para disputar o leilão de outro megaprojeto que é o Sistema de Transmissão do Madeira, de 2,7 mil quilômetros.

Há algumas ferramentas que visam garantir para a sociedade projetos com responsabilidade socioambiental. Em junho de 2003 o International Finance Corporation (IFC), instituição vinculada ao Banco Mundial que fornece financiamentos a projetos da iniciativa privada, criou uma série de exigências que compõem os "Princípios do Equador". Esses princípios representam uma iniciativa que estabelece critérios socialmente responsáveis que os bancos devem seguir na avaliação de projetos com valores acima de US$ 50 milhões.

Outro exemplo de políticas voltadas para a responsabilidade social é o "Global Compact", lançado em 2000 pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), que é um conjunto de princípios voluntários destinado a orientar decisões empresariais com foco em ações de meio ambiente, direitos humanos e trabalho.

Em resumo, é primordial utilizar critérios para a concessão de crédito, para assegurar que os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma social e ambientalmente responsável. O objetivo principal dessas políticas é incluir os riscos ambientais e sociais para avaliação de apoio financeiro, pois o banco vai "patrocinar” os impactos decorrentes do projeto.

O BNDES e o Banco Santander são instituições que, ao financiar empreendimentos como as hidrelétricas do rio Madeira ou Estreito, em desacordo com as normas ambientais vigentes, poderão ser responsabilizados, solidariamente, na qualidade de poluidores indiretos, por eventuais danos causados ao meio ambiente. São passíveis, também, dada a sua capacidade financeira, de reparar esses danos originados na concessão dos créditos, uma vez que concorreram para a prática de crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98.

Responsabilidade social, portanto, não é apenas uma jogada de marketing para proporcionar visibilidade, como parece ocorrer com o BNDES.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.   Introdução para atualizar nossa memória sobre o projeto Ferrogrão O projeto da Ferrogrão envolve a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de Contas da União (T...

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China Imagem: Portal Lubes Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   O presidente Lula e Xi Jinping assinaram um acordo (20/11) no qual um dos itens propõe a construção de novas usinas nucleares com tecnologia considerada, no documento, avançada e segura, além de ser um marco importante na cooperação entre Brasil e China. O acordo promete fortalecer a capacidade produtiva e a segurança energética dos dois países, promovendo o desenvolvimento de tecnologias nucleares de ponta. Não esqueçamos que Angra 3 já está caindo de velha, antes mesmo de ser terminada. A construção da usina, localizada no estado do Rio de Janeiro, entrou na sua fase final com a montagem dos componentes principais e instalação do reator nuclear. Angra 3 está em obras desde 30 de maio de 2010 e enfrentou vários atrasos ao longo dos anos. As interrupções aconteceram em 2015 devido a uma revisão do financiamento e investigações ...

A “colonização dourada” idealizada pela China

A “colonização dourada” idealizada pela China   Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania   Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures , assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.   Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) [1] . Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasi...